sábado, 10 de março de 2012

Distrações e Distorções



No inicio de maio do ano passado tive a possibilidade de visitar o Casarão da Praça Coaracy Nunes, mais conhecida como Ferro de Engomar. A porta principal estava quebrada na sua parte inferior, e um papelão cobria o dano. Os azulejos de Boulanger  estavam intactos; somente em um quarto um azulejo do rodapé estava no chão. O banheiro já estava vazio de suas peças. Um piano de cauda, lindissimamente trabalhado estava na sala, tendo embaixo garrafas PET, “camisinhas” e papel higiênico (usados), como se notava também no chão dos outros compartimentos. Não me deixaram fazer fotos.
Ao chegar em casa, com medo que a situação piorasse, escrevi ao Dr. Newton Gurjão das Chagas, do Ministério Público. Iniciei lembrando que “Incêndios e desmoronamentos estão a demonstrar que nosso patrimônio edificado não vem recebendo a atenção devida. Existem situações em que é necessária uma ação social mais enérgica. De fato, temos um prédio que nos preocupa mais do que outros, neste momento. É aquela casa situada num canto de Belém conhecido como “ferro de engomar”. 

Contei algo sobre a venda do casarão e seus possíveis usos e sublinhei minha preocupação dizendo: “Seremos mais uma vez responsáveis pela perda de perspectiva de nossas futuras gerações, assim como lamentamos as destruições passadas. Por que continuar a lamentar, se podemos evitar esta enésima desgraça? Este casarão,por sua beleza e relevância na arquitetura de Belém, deveria assumir alguma função adequada a sua preservação e onde pudesse ser melhor apreciada. E não somente pelos seus azulejos: existem revestimentos de zinco e um sem-número de elementos que precisam ser salvaguardados”.

Fiz outros comentários a respeito da nossa realidade administrativa e conclui pedindo “que seja exigido dos poderes públicos a salvaguarda desse imóvel, pois, se está em processo de tombamento, como dizem, o tratamento deveria ser idêntico a de um bem tombado, pelo menos no corpo da Lei”.

Passaram-se alguns meses e em setembro recebi uma carta do Ministério Público pedindo que informasse “com precisão o endereço do imóvel”. Talvez tenha sido o uso do endereço “ferro de engomar” que os levou a pedir “precisão”. Era o dia 15 de setembro e a minha resposta chegou no protocolo do dia 20. Aproveitei para acrescentar  que a casa “continua abandonada a si mesma com um capital em azulejos de Boulanger de valor inestimável, além de um piano de cauda de invejável beleza e alguns lustres mal conservados”.

            Não tive mais nenhuma notícia até que aconteceu o irreparável. Todo o mundo intelectual paraense se acordou para o problema que eu tinha solevado meses atrás, ignorando, porém, a denúncia que eu tinha feito e, sucessivamente publicado para oportuno conhecimento de todos.

No dia 10/02 recebi, via email, copia do ato relativo ao Processo: 0003726-68.2012.814.0301, com o qual o Magistrado Dr. MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO movia uma Ação Civil Pública, cujo Assunto era: Patrimônio Histórico / Tombamento, em face do proprietário do Casarão.

Mais alguns dias se passaram e fui recebida pelo Magistrado, assim pude tomar conhecimento que o tombamento tinha sido iniciado a pedido da UFPa, através de carta  em data 01/03/2010 prot. no. 2010/12.462, assinada pelo Prof, Ronaldo Carvalho da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.  Desse pedido, a Fumbel e o Dr. Wilson Benedito (do Ministério Público) foram informados em data 12/05/2010.

Tinha levado comigo a denúncia feita em maio de 2011 e o Magistrado pediu cópia para anexar aos atos do processo (para que, não sei.)

       A pergunta que não quer calar é: por que não fizeram nada, no meio tempo? Por que só pretenderam seguranças na porta da casa depois de arrombada?
Vi, incrédula, uma quantidade enorme de pessoas que trabalham com nosso patrimônio se “indignarem” com o que aconteceu com o casarão, como se fosse a primeira vez que isso sucedia em Belém. Acabou a manifestação de “protestos” na Praça Ferro de Engomar e tudo se calou.
Também fico indignada porque agora, que o mal está feito, os jornalistas repetem noticias superficiais e, tranquilamente, ignoram que uma cidadã,  ilustre desconhecida, denunciou o problema do abandono com bastante antecedência ao Ministério Público competente e não serviu absolutamente para nada. Por quê? 
Seria o caso, em vez, de perguntar ao Ministério Público e à Secult, o que fizeram naqueles meses (entre maio 2011 e janeiro 2012) para salvar o  casarão em questão. Ninguém vai indagar tal descuido por parte do MP? E da Secult? Seria muito oportuno, no entanto.
  Agora, gostaria de saber como se dará a recuperação dos azulejos. Foi feita uma concorrência publica, um edital,  para escolher quem fará o trabalho? Seria justo, no mínimo, por questão de transparência e ética.  Se já foi escolhido o profissional que vai fazer o restauro dos azulejos, quem o escolheu? Fará o restauro como funcionário público no horário de trabalho, ou será pago por fora, como profissional liberal? Mesmo se o proprietário do casarão vai pagar, o fará a quem?

A "Amigocracia", comumente usada, leva a ignorar as leis com extrema facilidade e quem perde não é somente a democracia. Precisamos ser vigilantes, portanto, e insistir no controle.


Dulce Rosa de Bacelar Rocque - Cidadã Paraense


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