segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

UMA RARA EXCEÇÃO

Ano passado fui convidada para a inauguração de um restaurante na Boulevard Castilho França.
Relativamente ao nosso Patrimonio Histórico, o que vi ali era uma exceção a regra geral. Enquanto casarões eram incendiados ou descaracterizados e azulejos eram roubados, alguém recuperava sem ajuda de financiamento público um pedaço da nossa história.
Nestes tempos sombrios para o nosso patrimônio, é o caso de lembrar esse exemplo.
Encantada,  fiz esse discurso na sua inauguração:

POINT DO AÇAI: apenas em lugares de memória como aquele onde Nazareno e Cia instalaram seu novo restaurante, o sentimento de continuidade com o nosso passado reaparece.

Entrando naquele imóvel restaurado de novo, me vieram em mente lembranças quase apagadas: os assoalhos de pau amarelo e acapu, que não vemos mais; as casas de pé direito, o duplo daquilo que vemos hoje; as escadas de madeira com corrimão trabalhado, enfim, coisas que saíram de moda e foram, praticamente, anuladas da nossa vista.
Um estudioso disse que “a memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto” (Nora, 1993: 9). Pois bem: a re-apropriação deste patrimônio vem reforçar isso e servir de resistência aquela globalização que está diminuindo espaços e paisagens significativos da nossa memória.
Enquanto muitos destroem, ou abandonam o que sobrou do nosso patrimônio arquitetônico, chega uma pessoa simples e decide restaurar e colocar a disposição de todos, um 'item'  da nossa história. Um casarão de tres andares, com vista para aquele rio que esconderam por tantos anos e que desaprendemos a ver e admirar.
Para mim, a preservação de um patrimônio arquitetônico tem um fim “sublime” direi, que é a salvaguarda da memória social. Isso fez o pessoal do Point do Açai recuperando ao uso publico, aquele casarão da Castilhos França que, indiferentemente passamos na frente e nem nos dignamos a olhar. Até os banheiros foram bwem tratados: os móveis e espelhos são 'de época'.
Ainda foram mais além, porque puseram dentro disso tudo, aquilo que o paraense mais gosta, o AÇAÍ. Tiveram a ideia de “resgatar” para salões nobres como aqueles, uma comida nossa que estava relegada a cozinha ou algum outro esconderijo. De fato, é tão grande a procura por comidas estranhas, que so vemos aparecer restaurantes estrangeiros, onde o que é nosso não tem vez... e por culpa nossa!
E como se não bastasse trazer o Açaí para a sala, adicionram peixe, camarão, enfim, os produtos dos nossos rios. Aí, já que estavam com a mão na massa, aproveitaram e, depois de unir a terra e os rios através de seus produtos, colocaram a disposição de quem quisesse saboreá-los, naquele “monumento”.
Vamos parar para pensar. O nosso patrimônio arquitetônico está caindo aos pedaços; nossas comidas  estão sendo manipuladas; aumenta a oferta de restaurantes estrangeiros. Por acaso nas nossas festas de aniversário oferecemos alguma vez “açaí com peixe frito”? ou “bacaba com camarão”? ou carne seca? Pois é, gostamos tanto mas, o que é tipicamente nosso, comemos escondido.... e chega o Nazareno, lá de Rondonia e põe numa casa linda e numa mesa chic, o que acabamos comendo na cozinha de nossa casa.
Gente, ali, para tomar o nosso AÇAI não vamos ter granola, mas farinha de tapioca; aliás, vários tipos de farinha, mas oriundas da mandioca, um tubérculo que o Padre José de Anchieta, no inicio de 1500 o definiu como o “pão da terra” e que é alimento basilar, como o açaí, da cozinha típica da nossa região. Portanto, unido ao “vinho dos deuses”, vamos ter os produtos resultantes do uso da “rainha da flora local” como a chamou Von Martius, botânico alemão membro da missão bavaro-austriaca, que visitou o Brasil no século XIX.
A comida que teremos lá, portanto, é toda de origem autoctone. Já existia e era consumida pelos moradores desta terra, antes da chegada dos portugueses. Seu modo de produção, seja do açaí que da farinha, continua, em muitos lugares, a ser feito como na época da fundação de Belém. O alguidar e a peneira ainda não foram aposentados. O “tipiti”, ou seja, a prensa mais inteligente do mundo, continua a ser usada para tirar os líquidos da mandioca ralada, por exemplo. Tudo Coisa Nossa, portanto, e teriamos que nos orgulhar disso.
Vamos poder tomar o açaí com farinha, comendo postas do peixe mais famoso da região norte: o pirarucú, cujo tamanho pode chegar a tres metros e o peso até 200kg. Esse nosso “bacalhau da Amazônia”, é considerado o maior peixe de água doce; tem as escamas avermelhadas e duríssimas tanto que são utilizadas como lixa de unha. Sua carne pode ser comida fresca ou salgada e é utilizado em muitos pratos típicos da região. Um dia, sem vergonhamente, peçam o Pirarucu de Casaca. ...mas, outros produtos saborosos de nossos rios estarão presentes acompanhando o Rei Açaí: desde o tambaqui, o filhote, a pescada amarela até chegar ao camarão.
Porém, Nazareno e Cia. não pararam nos rios. Vai ter carne de gado, de búfalo também, seca, frita, cozida, assada, para todos os gostos. E depois de locupletados com coisas da nossa terra, se ainda tiver espaço, querendo, podemos até encerrar com um copo de guaraná, que, pelas suas propriedades terapêuticas é considerado uma medicina das mais preciosas que a natureza fornece; produz bem-estar geral, refresca o organismo, aumenta a resistência aos esforços seja mental que muscular, produz maior rapidez de pensamento, retarda os sintomas do cansaço, dá força ao coração, depura o sangue e desintoxica o intestino....
No final das contas, como somos paraense, ninguém vai sair de lá para uma academia pois não somos de ferro (nem paulistas), mas é bem capaz de pedirmos aos donos de atar uma rede pra gente no terceiro andar para aproveitar um pouco da brisa da Baia de Guajará.
Nazareno, tivestes uma idéia genial chamando a atenção para duas coisas importantes da nossa Memória: o nosso patrimônio arquitetônico e a nossa alimentação mais autentica.... e destes assim um exemplo aqueles da terra cujos olhos e mente estão em outras plagas.

Parabéns!

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